sexta-feira, março 16, 2012

Entrevista com o Professor Doutor Nuno Ferrand de Almeida



A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, irá ter lugar em junho de 2012, no Rio de Janeiro. Esta cimeira marca os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e deverá contribuir para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas.
A perda da biodiversidade afecta directamente as sociedades humanas pois reduz a sustentabilidade do planeta. O que está hoje em causa é a adopção de novas políticas e atitudes a nível global, baseadas na interligação entre Ciência, Tecnologia e Cultura, como única solução que garanta a manutenção da vida na Terra. Perante este quadro estivemos à conversa com o Professor Doutor Nuno Ferrand de Almeida, Biólogo, investigador, professor da Universidade do Porto e coordenador Científico do CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos).

Que valor/importância tem a biodiversidade para a economia de um país?
Nuno Ferrand (NF): Tem muita e manifesta-se de muitas maneiras. Desde logo através de atividades directas, tais como o turismo de natureza, o turismo cinegética, a caça, que cada vez mais praticadas. Por exemplo, se formos para o Parque Nacional da Peneda Gerês, Parque Natural de Montesinho em Bragança, Parque Natural do Douro Internacional ou a sul Tejo para a Ria Formosa, constatamos que há uma série de actividades onde é evidente que as pessoas sentem necessidade de as praticar. Além disso, são um importante recurso que é aproveitado pelas comunidades locais, pelas pessoas que podem viver diretamente dos recursos biológicos e da diversidade biológica Estes recursos que vamos tirar directamente são importantes actividades económicas.
Depois há o grande valor biológico que nós vivemos directamente, a floresta, os recursos florestais, de onde tiramos muitos produtos, da madeira até aos frutos. O facto de existir solo, o solo que é feito a partir das folhas que caem, esse solo permite absorver a água e permite que não haja cheias quando chove muito. Se destruirmos o solo ficamos mais vulneráveis às cheias. Por exemplo Lisboa é muito vulnerável às cheias devido à ausência de “solos livres de construções” e à ausência de cobertura vegetal nas ribeiras. Tudo aquilo que nós não vemos directamente mas que nós nos servimos dos ecossistemas, é algo que tem um valor enorme.
Por exemplo em relação à água potável, a água que nós podemos beber resulta do facto de todos os organismos que vivem no sistema aquático, nos rios, filtrarem a água que nos chega em boas condições, se não for poluída por nós para que possamos beber.

Acha que estão a ser feitos os esforços necessário para proteger a biodiversidade?
NF: Acho que não, acho que estamos muito longe de fazer isso. Existem muitos insucessos na nossa história recente e existem muitos outros noutros países e a nível global. É uma preocupação crescente e acho que é uma batalha desigual, ou seja, o que acontece à maior parte das espécies todos os anos é muito desigual em relação aos recursos que temos e às pessoas que mais se preocupam com a situação de modo a tentar contrariar esse efeito. Portanto acho que estamos muito longe de fazer o que tem de ser feito para conservar a diversidade biológica.

Qual a relação entre a perda da biodiversidade e as alterações climáticas?
NF: As espécies são como os organismos: nascem, vivem e morrem. E uma espécie existe na Terra durante milhões de anos, as espécies desaparecem, extinguem-se quando não se conseguem adaptar ao meio ambiente que muda depressa demais. O que acontece é que as alterações climáticas induzidas pelo Homem são transformações tão brutais, tão radicais em termos de modificação das condições para as quais as espécies estão adaptadas, que elas não conseguem moldar-se, adaptar-se de uma forma suficientemente rápida a essas alterações. E portanto o que acontece é que essas alterações são tão dramáticas que a maior parte das espécies, se as alterações climáticas continuarem ao ritmo a que estamos a documentá-las, poderá desaparecer.


Quais os sinas que indicam que as alterações climáticas estão (ou vão) afectar a flora e a fauna do sul da Europa, mais concretamente da Península Ibérica e de Portugal.
NF: Já temos muitos sinais quer directos quer indirectos. Os directos resultam do estudo e da observação da documentação tanto da flora como da fauna. Este é um dos trabalhos que tem sido feito, sobretudo em determinados países como Inglaterra. Inglaterra é um dos melhores exemplos europeus, pois tem os melhores e mais completos dados sobre flora e fauna da Europa, eles são naturalista, vão ver a Natureza, vão para o campo apanhar borboletas, ver as aves, aos milhares todos os fins-de-semana. E por isso, em Inglaterra existem bases de dados com mais de 100 anos. Registos de flora e fauna com mais de cem anos! Em Portugal não temos tantos registos ou tão completos, mas em Inglaterra temos. Através deles é possível mostrar que a fauna e a flora, ou seja, grande parte das espécies está deslocada para norte a uma velocidade que nunca antes foi documentada. Isto é, as espécies estão a fugir do aquecimento que vai acontecendo a sul, por exemplo, em Portugal e em Espanha.
Por sua vez, em Portugal, temos registos dos solos e do ambiente. E através destes notamos uma desertificação cada vez maior nos nossos solos, nos nossos ecossistemas e nos nossos habitats. E é muito provável que esta evolução esteja associada a uma deslocação de muitas espécies da nossa flora e fauna.


Que espécies mais ameaçadas?
NF: De uma forma geral, começo por destacar os peixes, devido principalmente à poluição, às barragens, à ineficácia dos sistemas colocados nas barragens para que os peixes possam ultrapassar esses obstáculos.
Ecossistemas destes têm apresentado taxas de extinção elevadas. Os anfíbios estão particularmente vulneráveis pela dependência que têm da água. Destaco ainda a desertificação causada pela falta de água, o fato de existirem cada vez menos lagoas devido à intensificação da agricultura, assim como menos pontos de água onde as salamandras, as rãs, os sapos se podem reproduzir.
Há cada vez mais espécies ameaçadas em território português relacionadas com habitats que dependem estritamente da água.
Além disso, refira-se ainda as espécies que as pessoas mais conhecem, que são os vertebrados. Neste caso as que estão mais ameaçadas correspondem aos grupos dos peixes e dos anfíbios.


Há quem fale em “extinção da Natureza”. Até que ponto é que esse receio corresponde à verdade?
NF: Eu acho que isso é uma visão demasiado pessimista, acho que ela não existe. Estamos ainda muito longe de algo parecido. Existe sim, uma apropriação cada vez maior dos ecossistemas naturais por parte do Homem e uma transformação cada vez maior desses mesmos ecossistemas.
Poucos sãos os casos, de ecossistemas e/ou recursos naturais, que não podemos dizer que não foram tocados pelo Homem. Talvez, nos sítios mais remotos como por exemplo na Amazónia ou na Papua Nova Guiné. Por exemplo, pelo menos na Indonésia a maior parte dos ecossistemas foram de fato tocados.
A minha maior preocupação é o afastamento das pessoas (a nível individual) da Natureza e a falta de compreensão que elas têm do ambiente em que se inserem e onde estão todas as restantes espécies.
A perda dessa noção é de facto um problema muito grande. É fundamental adquirir a consciência que vivemos num ecossistema global e dependemos em absoluto dos recursos naturais que temos no planeta e estes são finitos. Se continuarmos a esgotar os recursos naturais à velocidade a que os temos feito, então não vamos sobreviver muito tempo. Esta é que é a preocupação principal para mim.
De resto, acho que a natureza vai existir e continuará para lá da nossa existência.


Na sua opinião qual o papel da ciência na resolução da crise global.
NF: A ciência é a única possibilidade de resolver esse problema, demonstrando o que está a acontecer, demonstrando inequivocamente o que esta a acontecer, e depois fazendo transmitir isso aos nossos decisores, às pessoas que têm de facto poder e que tomam decisões que não são cientistas, que são políticos.
Os políticos devem estar ao lado/ouvir os cientistas pois estes já trabalham e estão a demonstrar bem o que se está a passar.
O papel principal que os cientistas têm é serem mais eficazes na divulgação daquilo que fazem e serem mais convincentes junto desses decisores e perceber que a maior parte das decisões a curto prazo são na maior parte das vezes erradas (mesmo que isso possa parecer estranho para a maior parte das pessoas). Há um aspecto fundamental que é fazer uma ligação directa entre a comunidade de cientistas e a sua difusão entre todas as pessoas (sociedade civil).


Perante o atual contexto de crise social, económica, ambiental. Como vê o pais daqui a 10 anos ?
NF: (Não tenho capacidade para tal). Mantenho-me optimista, acho que nós temos razões para estar optimista, temos muita coisa que foi feita nos últimos 20 ou 30 anos.
Considero que é necessário fazer alguns ajustes, em particular em relação ao bem-estar que temos/queremos perante aquilo que nós produzimos.
Mas mantenho-me optimista porque acho que há uma grande vontade das pessoas de fazerem coisas em Portugal.


E em relação à biodiversidade. Os objectivos para 2010, estabelecido em 2002, não foram alcançados. Como podemos garantir que os objectivos para 2020 serão atingidos?
NF: Precisamente por isso, os objectivos que foram definidos anteriormente, até 2010, foram metam a curto prazo onde nunca chegámos a estabelecer uma estratégia que fosse sustentável a médio e a longo termo. Hoje temos pelo menos a vantagem de perceber que errámos e saber porque é que errámos. Agora julgo que o importante é mudar a mentalidade das pessoas. Temos de actuar a médio e a longo prazo por isso é que as metas passaram a estar definidas para 2020 e para 2050, portanto temos um calendário muito mais extenso. Em principio, pelo facto de termos pela frente uma meta que não seja só a curto prazo, cria condições para fazer alguma coisa que permita inverter a situação.


Para terminar. Em Junho deste ano vai realizar-se a cimeira Rio+20. Quais são as suas expectativas.
NF: O mesmo optimismo que já referi antes. Acho que não há outro caminho.
Receio um pouco que devido à crise, crise económica, as atenções sejam desviadas ou haja uma menor participação a nível global na conferência do rio+20. Sobre isto sim, tenho algum receio, mas em relação ao caminho não. Não há outro caminho se não mudarmos muitas das coisas que temos vindo a fazer.
O caminho que temos feito não é um caminho sustentável. Se nos quisermos manter na terra terá de haver uma modificação, caso contrário a espécie humana desaparecerá.


Carolina Fonseca e Filipa Verdasca. Jovens Repórteres para o Ambiente, Colégio Valsassina

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